domingo, 1 de abril de 2007

Divagando


A Infidelidade Partidária



I

Se o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acerca da perda de mandato de quem trocou de partido, haverá uma mexida sem precedentes nos tabuleiros políticos municipais – e às vésperas das eleições de 2008.

No Brasil, informa o vereador Raimundo Castro, presidente da secção paraense da Federação Brasileira das Câmaras Municipais, há 60 mil vereadores. Se a degola atingir, apenas, 10% desse universo – e a previsão é de um estrago bem maior – só aí seriam 6 mil. Quer dizer, quase que uma “nova eleição”.

No Pará, isso significaria substituir, por suplentes fiéis, numa estimativa por baixo, de 20% a 30% dos 1.360 vereadores – ou de 270 a 400 deles.


Na Câmara de Belém, a maior do estado, a mexida atingiria quase 40% dos 35 vereadores. Mas há municípios do interior onde ultrapassaria mais da metade.

“Essa será, de fato, a verdadeira dança das cadeiras” – brinca o advogado Inocêncio Mártires, especialista em direito eleitoral, um dos melhores do estado.

A aposta de Inocêncio é que o Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta corte do país, confirme a manifestação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E ela, como se sabe, é no sentido de que perde o mandato quem deixa o partido pelo qual se elegeu.

Daí que a questão central é: quem perde e quem ganha com alteração dessa magnitude, às vésperas das eleições de 2008? Ou, seja, na largada para a grande corrida de 2010?

Sim, porque o que está em jogo não é a simples posse de prefeituras e câmaras municipais. Mas o significado delas na estruturação dos partidos, para a conquista das posições estratégicas de 2010: as assembléias legislativas, os governos dos estados, o Congresso Nacional, a Presidência da República.]

Com poderes e verbas extraordinárias, esses gigantes abstratos são fundamentais para irrigar, mover, modificar, o cotidiano que se realiza, de fato, nos municípios. Trata-se, portanto, de relação de dupla troca.

E o que se discute é o maremoto que pode atingir em breve – e pode, mesmo - a configuração ideológica da base desse sistema, às portas da renovação.

II

Ninguém que pretenda, de fato, a modernização política brasileira pode ser contra a fidelidade partidária. Afinal, como lembra o articulador político do governo, Charles Alcântara, ela fortalece os partidos e tende a elevar o patamar das negociações. Despersonaliza, institucionaliza. Ou seja, conduz o diálogo para o tão sonhado nível da discussão programática.

Porque a fidelidade partidária, como aponta o cientista político Cláudio Lago, acirra a disputa de poder no âmago das agremiações. Espécie de repetição da cosmogonia grega, estimula a “matar” o velho devorador, para que possa reinar, afinal, a juventude devorada. Ou, mais modernamente: sai o “paizinho”. Entra em cena a articulação societária.

Mas é claro que, como pondera o deputado federal Gerson Peres, é preciso equilibrar fidelidade partidária e convicções individuais.

Vai que o PP decida ser favorável ao aborto? Eu sou favorável ao aborto. Mas, alguém imagina o Gerson Peres defendendo isso e até votando a favor disso?

Para mim, a posição de Gerson é retrógrada, não leva em conta a realidade brasileira, de milhões de mulheres pobres que morrem, todos os dias, em decorrência de abortos clandestinos. Mais que isso: não leva em conta que o corpo pertence a mulher e não pode, de forma alguma, ser considerado propriedade social. Não somos, em suma, um simples útero, de utilização coletiva.

Mas Gerson tem todo o direito de pensar do jeito que pensa. E, se nos dispuséssemos a debater, ele teria, certamente, argumentos tão ou mais fortes que os meus. E é preciso respeitar isto: a defesa dos próprios ideais.

Daí que sou obrigada a concordar com Gerson neste ponto: há que considerar as vírgulas da fidelidade partidária. Porque os partidos têm obrigações programáticas com os partidários. Quer dizer: a fidelização não pode representar simples mudança de lugar da banca de negociações. E muito menos o esmagamento das minorias – e quantas vírgulas cabem no que chamamos minorias, não é?


III

Óbvio, também, que o STF não tem de olhar para os lados, a considerar os interesses de persas, atenienses e espartanos, a cada vez que interpreta a Lei. Se o fizer, deixará de calças curtas o conjunto dos cidadãos. Porque, numa espécie de túnel do tempo, nos levará de volta ao direito consuetudinário.

Mas, se o STF confirmar a manifestação do TSE, é provável que tenhamos uma crise política de graves proporções, de Norte a Sul do país.

Afinal, a degola não se assemelha à protagonizada pela Revolução Francesa. Os grupos ora atingidos, de um lado e de outro, guardam fortes relações com os grupos econômicos que formam opinião no país.

Não está descartada, aliás, uma crise interpoderes. Com o Congresso aprovando um casuísmo básico, para acuar o Judiciário. E com ministros e magistrados, apesar da lagosta e do champagne, mas com aquilo roxo, afirmando que “dura lex sed lex”. Tudo coroado pelo “assembleísmo” executivo do PT...


IV

E voltamos à pergunta que, aliás, motivou este post: quem ganha e quem perde com essas alterações, se elas se concretizarem?

O único fato indiscutível é que boa parte das câmaras municipais tornará à configuração original de 2004, em termos de capacidade das legendas.

Todo o poder aos partidos? Em termos. Político é, essencialmente, ladino. Expert em sapateado de catita. Mistura de Frank Sinatra, Gene Kelly e Fred Astaire, com charme a George Clooney – numa visão bem feminina, digamos assim...Em termos de Ver o Peso, é capaz de tratar do piolho à unha encravada...

E nem poderia ser diferente, pelo menos neste país tão desigual chamado Brasil.

Imaginem a dona Maria ou o seu José procurando um político e derramando um mundo de queixas.

E ele, sinceramente, dizendo o seguinte: “O seu problema, minha senhora, decorre da configuração da sociedade brasileira, que é historicamente escravista”.

“A senhora e o seu José sofrem porque temos uma elite devoradora” – prosseguiria – “Uma elite patrimonialista.Por exemplo, emprega 300 parentes incompetentes, que nem o inferno quer - com verbas públicas, diga-se de passagem – que dariam para contratar médicos, com salários bem melhores, para atender a senhora e o seu José”.

“O pior é o preconceito dessa elite, minha senhora – prosseguiria - “Para essa elite, a senhora e o seu José não significam nada. Se vocês não têm casa, comida, saúde, educação, é porque merecem viver assim. Descendem dos índios. São preguiçosos e só querem beber. Exemplo: a Cabanagem”.

E acrescentaria: “A nossa luta é coletiva, minha senhora. Queremos mudar isso, não apenas para a senhora e o seu José, mas para o conjunto de marias e josés deste imenso Pará”.

De tal discurso, dona Maria e o seu José reteriam, apenas, os 300 e a preguiça – que é nossa. E que coisa maravilhosa é a preguiça!

E votariam no político que, sem mais delongas, lhes “doasse” o pão para saciar a fome...


V

Sinceramente, trabalhei demais na sexta e no sábado. Estou esgotada. Preciso desligar. Encher a cara. Até para conseguir trabalhar neste domingo.

Entrevistei muita gente. Inclusive o Charles, o Gerson, o Giovanni, o Claudinho, que não aproveitei na matéria de domingo. E que preciso usar no jornal, na segunda, até para que eles não me estrangulem...

Mas, essa questão da fidelidade partidária, a nível municipal, é tentadora, para essas incursões de pensamento.

Vou encher a cara. Mas, recomendo, a quem me lê, pensar sobre isso.
Resultado dos eleitos, em 2004, para vereadores: PSDB: 240; PMDB 192; PT 139; PTB 133; PP 120; PL 102; PFL 99; PDT 87; PSB 59; PV 48; PPS 44;PSC 41; PRP 17; PSL 11. O resto é nanico, abaixo de 10.

Pensem. Eu quero mais é sonhar... FUUUUIIIIIIIIIII!!!!!!!!!

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Adorei a frase do Bial: “Prego, quando se destaca, leva martelada”.
Pensei: “Que venha a caixa de ferramentas!”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Escolheste uma data estranha para voltar a sonhar com realidade.Mas estás pisando no chão, de novo. Croac. Essa trocas de Partidos já estão no âmbito do anarquismo, sem governo.