segunda-feira, 29 de maio de 2006

Edição 29, Maio - Eduardo Salles

Especial

Sobrinho de Jatene aluga imóvel
ao Governo e fatura meio milhão



A mais estranha das transações do empresário Eduardo Salles, sobrinho do governador Simão Jatene, com o Governo do Estado é o aluguel do prédio onde funciona, em Castanhal, a Superintendência da Polícia Civil na região do Salgado, na confluência da Maximino Porpino com a Paes de Carvalho.

De 2000 até 2005, o Governo do Estado pagou, pelos dois contratos de locação do imóvel, cerca de meio milhão de reais. Além de gastar R$ 82 mil, para reformar um anexo, também de Eduardo, onde hoje funciona o Instituto de Identificação.

Em 2002, sem afetar as condições do aluguel, o prédio foi vendido a Ferccon – Ferro, Comércio e Construção Ltda, uma das empresas de Eduardo. Valor da transação: R$ 70 mil - ou 7 vezes menos que o montante já gasto pelo Governo com a locação.

Os contratos têm os números 002/2000 – PCE e 004/2001-PCE.

O primeiro, no valor inicial de R$ 3.800,00 mensais – e que, no ano passado, já se encontra em R$ 4.821,75 - foi publicado no Diário Oficial de 12 de maio de 2000 e se refere a um imóvel situado à rua Paes de Carvalho, 1215, “onde funcionará um Posto de Identificação, uma Delegacia de Defesa do Consumidor, uma Seção do Instituto de Metrologia e uma Seção do Centro Integrado de Operações”.

O segundo, no valor inicial de R$ 5.000,00 mensais – e que, em 2005, já se encontrava em R$ 6.643,30 – foi publicado no Diário Oficial de 10 de outubro de 2001 e se refere a um prédio “localizado na Av. Maximino Porpino com a rua Paes de Carvalho, para funcionamento da Superintendência Regional do Salgado”.

Ocorre que o único prédio das imediações que abriga atividades da Polícia Civil é exatamente esse, da esquina da Maximino Porpino com a Paes de Carvalho, onde funcionam, além da Superintendência do Salgado, o Centro Integrado de Operações (CIOP) e o Procon - em Castanhal, pelo menos até o ano passado, não existia nem Delegacia do Consumidor, nem seção do Instituto de Metrologia.

Além disso, o Instituto de Identificação só passou a funcionar no anexo da Superintendência do Salgado em 2002 – até então, ficava no prédio do Instituto de Perícia Científica Renato Chaves, na rua Major Wilson, 54, em frente ao Cristo Redentor.

Mais: segundo depoimentos colhidos pela reportagem da Perereca, o anexo que hoje abriga o Instituto de Identificação estava tão deteriorado que servia, apenas, como depósito de veículos roubados, apreendidos em operações policiais.


Três números e um destino

“É o mesmo dono e um prédio só” – disse, à repórter, um escrivão, de nome Antonio. “Isso aqui é um prédio só” – confirmou um papiloscopista, Joel José de Souza Monteiro, que trabalhava no Instituto de Identificação.

“Lá, no Eduardo Salles, eram três lojas: a Ferccon, uma de material elétrico e outra que não estou me lembrando. Eram uns três números que, quando ele alugou para o Governo, ele juntou e fez um só”– explicou o chefe, à época, da seção de IPTU da Prefeitura de Castanhal, Carlos Monteiro, que ainda acrescentou: “aqui, na Prefeitura, só constam dois imóveis no nome do Eduardo. Um é a fazenda Betânia, na Barão do Rio Branco, S/N. O outro é esse da Maximino Porpino com a Paes de Carvalho”.

Segundo também Carlos Monteiro, tanto o número 1215 da Paes de Carvalho, quanto o número 2985 da Maximino Porpino (que era o antigo endereço da Ferccon) acabaram engolidos pela nova numeração, que passou a ser a Paes de Carvalho, 2986 - que constava, inclusive, no site do Governo do Estado, como a sede da Superintendência do Salgado.

Outro detalhe interessante: mesmo o contrato 002/2000, em aditivo publicado no Diário Oficial de 02 de março de 2002, se refere ao aluguel de um prédio na Maximino Porpino com a Paes de Carvalho – ou seja, ao mesmo endereço do contrato 004/2001.

No Registro de Imóveis de Castanhal consta que o terreno, com 22x13 metros e duas casas coletadas sob o número 2985, da Paes de Carvalho, e 2.183, da Maximino Porpino, foi adquirido pelo pai de Eduardo, José Salles, em 02 de janeiro de 1964.

Mas o registro cartorário da transação só foi efetivado em 16 de julho de 1986, na mesma data em que a Ferccon e seus sócios, José e Eduardo Salles, hipotecaram o prédio ao Banco do Brasil.

Renovadas ora pela Ferccon, ora pela Agrosalles – Agropecuária Salles Ltda., as hipotecas acabaram resultando em uma confissão de dívida, ao Banco do Brasil, em 04 de junho de 1990.

Só em 09 de janeiro de 1998 foi registrada a baixa da hipoteca. E, em 18 de dezembro de 2002, José Salles e sua mulher, Reny, irmã do governador, efetivaram a venda do imóvel, por R$ 70 mil, a Ferccon.

Toda a transação está registrada no cartório Araújo, na matrícula 5.229, do livro 2-Q.

Contrato de aluguel também
liga Eduardo à Engecon


Os estranhos contratos e aditivos em nome de Eduardo Salles, sobrinho do governador Simão Jatene, foram assinados, sucessivamente, pelos delegados gerais João Moraes, Lauriston Góes e Luiz Fernandes Rocha e por um diretor da DAP, de nome Alan Dionísio Souza Leão de Sales.

O de número 002/2000-PCE, no valor de R$ 3.800,00/mês, teve o extrato publicado no Diário Oficial de 12 de maio de 2000, com vigência de um ano, a contar de 01 de fevereiro – embora tenha sido assinado apenas em 2 de maio.

A locação seria feita pela Engecon – Construções Ltda, através de seu representante legal, o empresário Washington Luiz Antunes da Nóbrega. Mas, em 18 de setembro de 2000, o Diário Oficial retificou o contrato, substituindo a Engecon por Eduardo Salles.

Embora Eduardo não apareça na constituição societária registrada na Jucepa, a verdade é que a Engecon tem fortes ligações com o sobrinho do governador. A empresa, aliás, já recebeu cerca de R$ 3,5 milhões do Governo do Estado, em contratos para a recuperação de rodovias e a execução de microssistemas de abastecimento de água (leia as reportagens anteriores).

Por outro lado, não consta, em cartório, qualquer ligação entre o empresário Washington da Nóbrega e aquele imóvel, que pertence, desde a década de 60, à família de Eduardo.


No aditivo, o endereço é o mesmo


Em 10 de outubro de 2001, o Diário Oficial publicou outro extrato de contrato, de número 004/2001-PCE, entre a Polícia Civil e o sobrinho do governador. O valor era de R$ 5.000,00 mensais e a vigência de 12 meses, a contar de 17 de fevereiro de 2001 – embora, segundo o mesmo DOE, só tenha sido assinado em 30 de setembro de 2001.

A maior surpresa, porém, viria no Diário Oficial de 06 de março de 2002, na página 3 do segundo caderno, com a publicação do primeiro aditivo ao contrato 004/2001-PCE e o segundo ao contrato 002/2000-PCE.

Lá, consta que ambos se referem a imóveis na Maximino Porpino com a Paes de Carvalho, uma confluência onde, além da Superintendência do Salgado, só existem prédios comerciais. Nos aditivos posteriores, o endereço, aliás, simplesmente desaparece.

Publicados nos Diários Oficiais de 6 de fevereiro de 2003 e 10 de fevereiro de 2004, tais aditivos, além de prorrogarem os prazos contratuais, elevaram o valor do contrato 004 para R$ 6.200,00 e R$ 6.643,30, sucessivamente; e o do contrato 002 para R$ 4.500,00 e R$ 4.821,75.

E isso apesar dos R$ 82.698,70 gastos, na reforma do anexo do prédio, pelo Governo Estadual.

Feitas as contas, chega-se à conclusão que o contrato 002 já custou ao erário, até o ano passado, R$ 203.061,00. Já o contrato 004 consumiu R$ 274.119,60. Total da despesa: R$ 477.180,60, até fevereiro de 2005.


Contrato 002/2000

De 01/02/2000 a 27/02/2003: R$ 3.800,00 por mês
De 27/02/2003 a 27/02/2004: R$ 4.500,00 por mês
De 27/02/2004 a 27/02/2005: R$ 4.821,75 por mês

Total: R$ 203.061,00


Contrato 004/2001

De 17/02/2001 a 18/02/2003: R$ 5.000,00
De 18/02/2003 a 18/02/2004: R$ 6.200,00
De 05/02/2004 a 05/02/2005: R$ 6.643,30

Total: R$ 274.119,60

Contrato anterior com nome falso


Ao que parece, o aluguel do prédio do sobrinho do governador à Polícia Civil data dos idos de 1997. Pelo menos é isso que se pode depreender de um aditivo, publicado no Diário Oficial do Estado de 28 de novembro de 2000. O aditivo (o terceiro) se refere a um contrato de número 014/97-PCE. E está assinado pelo então delegado geral da Polícia Civil, João Nazareno Nascimento Moraes, e por um certo “Rui Sales”, cujo CPF, de número 107.392.702-49, é o mesmo de Eduardo Salles.

O aditivo prorroga o contrato 014/97 por 60 dias, a contar de 17 de novembro de 2000. Consta que o imóvel a que se refere está localizado na Maximino Porpino com a Paes de Carvalho, “onde se encontra instalada a Superintendência Regional do Salgado”.

O valor global do aditamento é de R$ 10 mil – ou R$ 5.000,00 mensais. E a justificativa da prorrogação é interessantíssima: “devido à necessidade da continuidade dos serviços da Polícia Judiciária, ora em desenvolvimento naquela regional, aliada à localização estratégica e instalações físicas, cujo preço de locação encontra-se com o preço do mercado, segundo avaliação mercadológica”.

Ou seja: quando o contrato 002/2000 foi assinado, ainda havia um outro contrato em vigor, o de número 014/97-PCE, uma situação que se prolongou até 17 de janeiro de 2001 - no dia 17 do mês seguinte, entrou em vigor o contrato 004/2001.

Assim, é bem possível que o aluguel daquele imóvel, que experimenta hoje uma majoração de mais de 100% em relação a 1997, já tenha custado, aos cofres públicos, mais de R$ 800 mil, com dispensa de licitação.

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